Fui traída, devo perdoar?
- Leila Vieira
- 4 de jul.
- 5 min de leitura

A infidelidade é uma das experiências mais dolorosas que um relacionamento pode enfrentar. Ela abala a confiança, a segurança e, muitas vezes, a autoestima de quem foi traído. Como terapeuta de casais e desenvolvimento emocional, eu entendo que a pergunta "Devo perdoar?" é uma das mais complexas e pessoais que alguém pode fazer. Não há uma resposta única, mas há caminhos que podem ajudar a refletir sobre o que é melhor para você e para o relacionamento.
Neste texto, vamos explorar essa questão sob a ótica emocional, relacional e terapêutica, trazendo insights de autores e pensadores que estudaram o amor, o perdão e a reconstrução de vínculos.
O impacto emocional da traição
A traição é uma ferida profunda. Ela não afeta apenas a relação, mas também a forma como nos vemos e como nos relacionamos com o mundo. Para Esther Perel, renomada terapeuta de casais e autora de "The State of Affairs", a infidelidade é uma ruptura que desafia nossa identidade e nossa visão de amor. Ela questiona: "O que significa amar alguém? O que significa ser amado? E o que acontece quando essas crenças são quebradas?"
Quem foi traído pode experimentar uma série de emoções intensas: raiva, tristeza, vergonha, insegurança e até mesmo culpa. É comum se perguntar: "O que eu fiz de errado?" ou "Por que eu não fui suficiente?" Esses pensamentos, no entanto, são armadilhas. A infidelidade não é sobre o que você fez ou deixou de fazer; é sobre as escolhas e as fragilidades de quem foi infiel.
O perdão é uma escolha, não uma obrigação
Muitas pessoas acreditam que perdoar é sinônimo de esquecer ou de aceitar o que aconteceu. Isso não é verdade. Perdoar não significa minimizar a dor ou justificar a infidelidade. Como diz o psicólogo e autor Robert Enright, um dos maiores especialistas em estudos sobre perdão, "O perdão é uma escolha consciente de abandonar a raiva e o desejo de vingança, mesmo que a pessoa que nos magoou não mereça."
Perdoar é um processo interno, que começa com a decisão de não deixar que a dor controle sua vida. No entanto, isso não significa que você precise continuar no relacionamento. O perdão pode coexistir com a decisão de seguir caminhos separados. A questão central é: o que você precisa para se sentir em paz?
Reconstruir a confiança é possível?
Para os casais que desejam permanecer juntos após uma traição, a reconstrução da confiança é um desafio enorme, mas não impossível. John Gottman, psicólogo e especialista em relacionamentos, afirma que a confiança pode ser reconstruída quando há transparência, responsabilidade e esforço genuíno de ambas as partes. Ele destaca a importância de "pequenos gestos de conexão" que, ao longo do tempo, ajudam a restaurar a segurança emocional.
No entanto, é importante ressaltar que a reconstrução da confiança não é linear. Ela exige paciência, comunicação aberta e, muitas vezes, a ajuda de um terapeuta de casais. A pessoa que traiu precisa assumir total responsabilidade por suas ações, sem justificativas ou minimizações. Já a pessoa traída precisa se permitir sentir e expressar suas emoções, sem medo de ser julgada.
Quando o perdão não é a melhor opção
Embora o perdão possa ser libertador, ele não é a única opção. Há situações em que a melhor decisão é seguir em frente sozinho. Isso não significa que você falhou ou que não é capaz de perdoar; significa que você priorizou seu bem-estar emocional.
A filósofa Hannah Arendt, em seu livro "A Condição Humana", reflete sobre o perdão como uma capacidade humana poderosa, mas também ressalta que ele não deve ser usado para perpetuar relações abusivas ou desiguais. Se a traição faz parte de um padrão recorrente de desrespeito, mentiras ou manipulação, pode ser um sinal de que o relacionamento não é saudável.
Como decidir se devo perdoar?
Decidir se deve ou não perdoar uma traição é uma jornada íntima e pessoal. Aqui estão algumas perguntas que podem ajudar a refletir sobre o que é melhor para você:
Qual é o histórico do relacionamento?
Antes da traição, o relacionamento era saudável e respeitoso? Ou já havia sinais de desequilíbrio e insatisfação?
Há arrependimento e responsabilidade?
A pessoa que traiu reconhece o erro e está disposta a fazer o trabalho necessário para reconstruir a confiança?
O que você sente?
Você consegue imaginar um futuro com essa pessoa? Ou a ideia de continuar no relacionamento traz mais angústia do que esperança?
Qual é o impacto na sua autoestima?
A traição abalou sua confiança em si mesmo? Você se sente capaz de reconstruir sua autoestima, independentemente da decisão que tomar?
Você está disposto a investir no processo?
Reconstruir um relacionamento após uma traição exige tempo, paciência e, muitas vezes, terapia de casais. Você está disposto a embarcar nessa jornada?
O papel da terapia no processo de perdão
Como terapeuta de casais, eu vejo a terapia como um espaço seguro para explorar essas questões. A terapia pode ajudar a pessoa traída a processar suas emoções, reconstruir sua autoestima e tomar uma decisão alinhada com seus valores e necessidades. Para o casal que deseja permanecer junto, a terapia pode facilitar a comunicação, ajudar a entender as causas subjacentes da traição e guiar o processo de reconstrução da confiança.
Além disso, a terapia individual pode ser fundamental para quem foi traído. Ela oferece um espaço para trabalhar a dor, o luto e as inseguranças que a traição pode ter desencadeado. Como diz Carl Rogers, psicólogo humanista, "O curioso paradoxo é que, quando eu me aceito como eu sou, então eu posso mudar." A aceitação da própria dor é o primeiro passo para a transformação.
O perdão como um presente para si mesmo
No final das contas, o perdão não é sobre o outro; é sobre você. Como escreveu Lewis B. Smedes, autor de "The Art of Forgiving", "Perdoar é libertar um prisioneiro e descobrir que o prisioneiro era você." Perdoar não significa reconciliar-se com quem te magoou, mas sim libertar-se do peso da raiva e do ressentimento.
Se você decidir perdoar, faça isso por você. Se decidir seguir em frente, faça isso também por você. A traição é um capítulo doloroso, mas ele não precisa definir o restante da sua história. Você tem o poder de escolher como escrever os próximos capítulos.
Conclusão
A infidelidade é uma experiência devastadora, mas também pode ser uma oportunidade de crescimento e autoconhecimento. Se você está se perguntando "Devo perdoar?", lembre-se de que a resposta está dentro de você. Não há certo ou errado; há apenas o que faz sentido para o seu coração e para o seu bem-estar.
Seja qual for a sua decisão, saiba que você não está só. A terapia pode ser um farol nesse momento de escuridão, ajudando você a navegar pelas emoções complexas e a encontrar um caminho de cura. Porque, no final das contas, o mais importante não é o que aconteceu, mas como você escolhe seguir em frente. 💛
Comments