Quando o toque te leva à repulsa: a dor emocional guardada na sexualidade
- Leila Vieira

- 29 de set.
- 4 min de leitura
A sexualidade, como define a Organização Mundial da Saúde (2006), é “uma energia que motiva encontrar o amor, o contato e a intimidade. Ela se expressa na forma de sentir, nos movimentos das pessoas, como elas tocam e são tocadas. A sexualidade influencia pensamentos, sentimentos, ações e interações. Influencia, portanto a saúde física e mental”.
Neste artigo, você vai descobrir que a sexualidade está presente não apenas no ato sexual, mas também nos movimentos de como tocamos e somos tocados, em gestos de carinho, em olhares e até na vibração de ambientes que transmitem segurança.
Mas, para algumas pessoas, o toque não representa acolhimento: ele gera repulsa, desconforto ou retração. Muitas vezes, isso não é sobre o presente, mas sobre uma dor emocional guardada na sexualidade desde a infância.

O toque que não chega
Imagine uma criança crescendo em um lar sem demonstrações físicas de afeto. Poucos abraços, raros beijos, ausência de colo. Nesse cenário, o toque pode perder seu caráter de nutrição e ser interpretado como estranho ou até ameaçador.
Em situações ainda mais delicadas, o toque pode ter sido associado a abuso, transformando o gesto em um gatilho de medo, vergonha ou repulsa.
Quando essa criança se torna adulta, o corpo responde automaticamente: o toque desperta memórias guardadas no inconsciente e o prazer é substituído pela defesa. Esse movimento mostra como experiências antigas continuam a ecoar na intimidade presente. Muitas vezes, para compreender o desconforto atual, é preciso revisitar e ressignificar o passado, libertando-se das amarras emocionais que ainda influenciam o corpo e a mente.
Seres biopsicossociais: impactos múltiplos
Como somos seres biopsicossociais, a sexualidade influencia todas as dimensões da vida. Quando não é vivida de forma saudável, pode impactar tanto o fisiológico — gerando tensões, disfunções sexuais e até sintomas físicos — quanto o psicológico, criando insegurança, baixa autoestima e dificuldades de entrega, e também o social, afetando relacionamentos e a forma como nos conectamos com os outros.
Nessas situações, crenças limitantes sobre afeto e intimidade podem se consolidar, reforçando o ciclo de dor. Reconhecer e trabalhar essas crenças ligadas à sexualidade é um passo essencial para recuperar a liberdade de viver relações mais plenas e seguras.
Dor emocional guardada na sexualidade: Exemplo ilustrativo
Clara, 37 anos, sempre ouvia do marido que era “fria” e “resistente a carinhos”. Ela mesma se incomodava com a própria reação: evitava abraços, recuava em beijos mais demorados e se irritava quando alguém segurava sua mão.
Durante o processo terapêutico, descobriu-se que, na infância, raramente recebeu demonstrações de afeto. Sua mãe acreditava que carinho “estragava a criança”, e seu pai era distante. Ao mesmo tempo, lembrara-se de um episódio em que um parente a tocou de forma inapropriada, experiência que ficou silenciada na família.
Seu corpo, ao longo dos anos, aprendeu a associar o toque ao desconforto. Não era falta de amor pelo parceiro, mas uma memória inconsciente que transformava a intimidade em ameaça.
Em muitos relacionamentos, o impacto de feridas emocionais ou de uma traição pode aprofundar ainda mais essa dificuldade de entrega. Nesses casos, refletir sobre o caminho do perdão após a traição ajuda a compreender como reconstruir a confiança e abrir espaço para um novo ciclo de intimidade.
O que diz a neurociência
A neurociência tem mostrado que o cérebro armazena experiências de forma integrada: o hipocampo registra o contexto e a memória, enquanto a amígdala guarda a carga emocional. Por isso, mesmo sem lembrar conscientemente de um evento, o corpo reage quando algo semelhante acontece.
O neurocientista Jaak Panksepp (1998), em Affective Neuroscience, destacou que “o toque é um dos primeiros canais de comunicação afetiva e molda o cérebro para a vida social”. Ou seja, o modo como somos tocados nos primeiros anos influencia nossa capacidade de confiar e de nos entregar ao outro.
Antonio Damásio (1994), em O Erro de Descartes, reforça que “as emoções são parte integrante do raciocínio humano, e sem elas perdemos a bússola da vida”. Isso significa que o corpo guarda marcas emocionais que podem guiar — ou limitar — nossas escolhas inconscientes.
Bessel van der Kolk (2014), em O Corpo Guarda as Marcas, complementa: “o corpo mantém o escore de cada experiência, mesmo quando a mente tenta esquecer”.
Esses achados explicam por que a dor emocional guardada na sexualidade pode persistir por décadas, até ser acessada e ressignificada.
Exercícios práticos para ressignificar o toque
A terapia sexual e o desenvolvimento emocional oferecem caminhos potentes para ressignificar essas memórias. Mas o leitor também pode iniciar movimentos simples, em ambientes seguros:
1. O toque em si mesmo
Reserve alguns minutos diários para acariciar suavemente seu próprio braço ou rosto. Observe as sensações, sem julgamento. Esse exercício ajuda a criar novas associações positivas com o toque.
2. Ambiente seguro
Feche os olhos e imagine-se em um lugar acolhedor — pode ser a casa da avó, um jardim ou até uma praia tranquila. Visualize alguém de confiança lhe oferecendo um gesto de carinho nesse cenário. Essa prática fortalece a segurança emocional ligada ao toque.
3. Pequenos gestos sociais
Experimente cumprimentar uma pessoa de confiança com um toque breve: um aperto de mão prolongado, um abraço leve, um toque no ombro. Depois, registre como o corpo reage. Com o tempo, você pode ampliar essas experiências.
4. Diário do corpo
Anote situações em que o toque gerou desconforto. Reflita: foi a intensidade, o contexto ou a pessoa envolvida que despertou a reação? Esse registro ajuda a identificar gatilhos e padrões.
Conclusão
Quando o toque gera repulsa, não significa rejeição ao outro, mas sim um pedido silencioso de cuidado com a própria história emocional. O corpo está pedindo escuta.
No Instituto Hiddes, você encontra apoio especializado em terapia sexual, desenvolvimento emocional e práticas seguras, que ajudam a ressignificar o toque e reconectar a sexualidade ao prazer e ao afeto.
Você não é frio(a).
Você não é incapaz de sentir prazer.
Você apenas aprendeu a se proteger de algo que um dia doeu — e pode reaprender, com acompanhamento e consciência, a se abrir novamente para o carinho
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